Depois de se destacarno Balé da Cidade de São Paulo, o coreógrafo pernambucano investe em sua própria companhia de dança
Por Ana Francisca Ponzio
"Esse menino vai ser bom com os pés", dizia Pedrinho, ex-ponta-direita do Náutico de Recife, sobre o filho Jorge Garcia, que desde cedo demonstrava gostar de bola. O talento que o pai profetizava acabou se manifestando de fato, só que longe dos gramados. Nos anos 90, ao trocar Pernambuco por São Paulo, Jorge engatinhava na carreira de bailarino. Hoje, reconhecido entre os pares, o também coreógrafo investe numa nova e promissora empreitada: consolidar seu próprio grupo de dança.
Em 1972, quando Jorge tinha apenas 1 ano, Pedrinho foi convidado para jogar em Portugal, onde viveu com a família durante quase uma década. "Eu sofria de asma, mas me sentia bem treinando futebol", conta o bailarino, ao se lembrar da infância passada nas cidades de Guimarães e Setúbal. Depois que os Garcia retornaram para Recife, Jorge descobriu as danças de salão. Aos 17 anos, já era especialista em forró, lambada e salsa. Um dia, viu um espetáculo da Compassos Companhia de Danças, que fazia da capoeira a sua principal técnica. Foi amor à primeira vista. Entrou para o grupo e começou a aprender maracatu, xaxado e baião. Não demorou muito, se deixou seduzir também pelo balé clássico "E me convenci de que a dança era tudo o que queria".
Em 1995, logo depois de chegar a São Paulo, foi admitido no Cisne Negro, um das mais tradicionais companhias brasileiras. Ali dançou coreografias de diversos autores contemporâneos, o que lhe rendeu, em pouco tempo, um convite para ingressar no Balé da Cidade de São Paulo, corpo estável do Teatro Municipal. Transformou-se, então, num de seus principais bailarinos e v irou coreógrafo. Na companhia, assinou pelo menos dois espetáculos marcantes: Divinéia, inspirado no livro Estação Carandiru, de Drauzio Varella, e R.G., uma homenagem ao centenário do compositor Radamés Gnattali. Paralelamente ao trabalho no Balé da Cidade, Jorge fundou o grupo P.U.L.T.S. (abreviação de Por Um Lugar Tão Sonhado), em parceria com o cunhado, Marcelo Bucoff. À frente da trupe, deu asas ao experimentalismo, atitude que lhe permitiu manter um pé no Municipal e outro nos palcos alternativos da capital paulista.
Em 2005, decidiu enfrentar o risco de se tornar um artista independente. Deixou o elenco do Balé da Cidade e formou a J. Garcia & Cia., com a qual já produziu três espetáculos. Dois deles Histórias da 1/2 Noite, baseado em contos de Machado de Assis, e Um Conto Idiota, sobre o universo dos palhaços e o cinema mudo serão apresentados nos dias 9 e 10 de julho, em São Paulo, no Panorama Sesi de Dança. O evento, anual , costuma reunir o que de mais expressivo acontece na dança do país. A expectativa é que Jorge e seu grupo se destaquem por lá. O fato de ter explorado com desenvoltura diversas fontes de informação ao longo da carreira, seja no universo pop, seja no erudito, rende ao coreógrafo um vocabulário muito inusitado e pessoal. Sem exageros, ele se apropria da cultura popular brasileira para promover interessantes diálogos com o cotidiano urbano e a complexidade da vida contemporânea.
Às vezes, confere um viés político às criações, como ocorreu em Divinéia, sempre com bom uso do humor e uma leveza que não prejudica a consistência. Outro aspecto que distingue as coreografias de Jorge são os movimentos construídos com o rigor da técnica clássica e a descontração da dança popular. "Sempre fui muito intuitivo, mas agora quero atuar com mais consciência e estudar mais intensamente a dramaturgia corporal", diz ele, disposto a refinar sua linguagem e, sobretudo, criar condições de trabalho estável para seu grupo.
Revista BRAVO! | Julho/2008
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